I
Estado de Minas Gerais, Itajubá, verão de 1913.
Na pequena cidade atrás das montanhas, chegava os novos ideais da República. As palavras de ordem e progresso estampadas na bandeira nacional marcavam o início de uma era de desenvolvimento científico e tecnológico que prometia modernizar os quinhões do Brasil. Uma geração de filhos de fazendeiros e de pequenos comerciantes no sul de Minas Gerais absorvia a influência progressista da época, onde os sonhos eram trazidos pelas novas ferrovias, por poucos homens da política e, especialmente, pela magia da eletricidade.
A região tinha passado recentemente a ter um trajeto de ligação ferroviária incorporada pela Rede Sul-Mineira, mas o projeto audacioso de ilustres homens requeria uma força maior para conduzir todas as máquinas do progresso. Só a energia da eletricidade poderia criar uma transformação que seria irradiada por toda a sociedade da época. A escuridão era a natureza que precisava ser dominada e, em cada casa, fábrica e esquina, deveria haver a luz para demarcar o triunfo dos homens sobre a natureza, o triunfo da ciência e da técnica sobre os sonhos possíveis. Toda a magia da eletricidade passaria a ser percebida como testemunha do avanço e do desenvolvimento ao longo do século.
Era uma noite quente que reunia um seleto grupo de homens sobre as lamparinas do salão principal do Clube Itajubense. Na reunião em que se discutia com entusiasmo as oportunidades de negócios e os anseios da política local, um homem ao centro empunhava seu discurso sobre a necessidade de inaugurar uma usina de energia elétrica em Itajubá. A voz decidida era de uma personalidade em harmonia com as mudanças de seu tempo. Tratava-se do Sr. Venceslau Braz, o proprietário da Companhia Industrial Sul Mineira.
Ainda no mesmo ano, conforme o plano, a pequena usina hidroelétrica foi instalada na divisa entre o município de Maria da Fé e Itajubá. Na região, encontrava-se fazendas agrícolas com acesso difícil e com poucos caminhos de terra por onde as carroças podiam chegar. Grande parte das peças e equipamentos da usina foram importados da Alemanha. Alguns carros de boi foram utilizados para levar os equipamentos pesados da usina e, junto com uma comitiva, os engenheiros alemães Adolf Tribst e Emílio Kliger chegaram para executar o projeto da usina hidroelétrica ao longo do Rio Lourenço Velho.
O projeto industrial da usina, como iniciativa de um grupo privado, proporcionou oportunidades de negócios com os municípios e distritos da região. Era uma pequena central hidrelétrica que teria a capacidade de abastecer grande parte do sul de Minas Gerais.
Sendo amigo do Sr. Venceslau Braz, na fagulha do momento oportuno, outro homem visionário apoiou o sonho possível da energia elétrica gerada em Itajubá. Assim, com o conhecimento avançado em eletricidade adquirido em escolas politécnicas da Europa, o Professor Theodomiro Santiago fundou o Instituto Eletrotécnico de Itajubá.
Nascia então o sinal de vocação da cidade.
Em 15 de maio de 1914, o Sr. Venceslau Brás era eleito Presidente da República e no mês de setembro do mesmo ano foi inaugurada a Usina Hidroelétrica Lourenço Velho.

II
Na cidade de Itajubá pairava uma certa euforia em suas ruas estreitas e tortuosas. O deslocamento entre os poucos bairros se fazia por meio de carroças ou por montaria, onde as noites tinham apenas a proteção da lua cheia refletida no Rio Sapucaí. Paisagens de sonhos que apontavam para o futuro, onde surgiria uma cidade equipada com luzes, máquinas elétricas, operários e estudantes que convergiam atrás da Serra da Mantiqueira.
Nos primeiros anos de geração da energia elétrica na Usina Lourenço Velho, a grande demanda era a iluminação pública e a residencial; a lâmpada era praticamente a única forma de consumo e o seu uso ficava restrito ao período noturno. Como havia sobras de energia durante o dia, a energia excedente abriu espaço para novas atividades em Itajubá: a instalação de pequenas fábricas e indústrias! Com a geração de energia elétrica, houve também o desenvolvimento da rede de comunicações telegráficas.
Mesmo sendo incipiente, uma nova forma de produção industrial movida pela eletricidade tornaria os bens de consumo mais baratos. Novos motores substituíam o carvão e as carruagens. Aos poucos, as lamparinas de querosene eram substituídas pelas lâmpadas. Toda a energia gerada, de forma sorrateira, iluminava a cidade. Fascínio ou estranhamento? Difícil determinar os sentimentos da sociedade da época. As elites locais sonharam em transformar a cidade para colocá-la nos rumos da modernidade, integrando-a ao país. O rádio foi um desses objetos que simbolizavam a modernização da vida e que dependiam de energia elétrica. Considerando a pouca instrução da população, o rádio foi o principal meio de divulgação dos novos hábitos e costumes.
Pela proximidade com São Paulo e o Rio de Janeiro, as principais influências culturais da belle époque trouxe novidades para a cidade de Itajubá. Por isto, o rádio disseminava a ideia da urbanidade, da identidade nacional e da prosperidade. Visto também que a pouca iluminação da cidade já produzia belas paisagens noturnas, tecidas pelos encontros dos raios luminosos na noite, emitidos pelos pontos de luz presos aos postes.
Por outro lado, desde o início dos anos de 1930, a oligarquia itajubense se isolava politicamente numa estrutura de poder ultrapassada e via-se seu prestigio esvaindo-se. O longo governo do Presidente Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, intensificou o processo de fortalecimento da indústria pesada e de bens de consumo no país. Neste cenário de progresso foi inaugurada, no ano de 1934, a Fábrica de Canos e Sabres para Armamentos. A sensação do nacionalismo se erguia. No cenário da grande guerra, o governo brasileiro, até então, não se definia entre os países nazi-facistas da Europa e os países aliados. A modesta indústria de Itajubá, no fim da década de 1930, seria influenciada pela guerra.
A Companhia Industrial Sul Mineira foi responsável pela geração e distribuição de energia em sua área de concessão até final do ano de 1937, quando separou sua seção de eletricidade e criou a Companhia Industrial Força e Luz, uma nova empresa ampliada. A partir de 1938, a usina hidrelétrica passou a operar a distribuição de energia elétrica em mais de dez municípios e distritos da região do sul do Estado de Minas Gerais.
Nos jornais da década de 1940, as manchetes noticiavam uma nova forma de energia. Era a energia nuclear que, mais tarde, seria desenvolvida ao ponto de tornar os esforços da grande guerra, num aparato catastrófico. Se até para o uso da energia elétrica, a imaginação humana foi longe para cometer atrocidades, a aplicação inicial da energia nuclear surgia inicialmente, não para gerar eletricidade, mais para devastar cidades inteiras.
Numa noite calma, o sul de Minas Gerais começava a brilha com a eletricidade produzida pela força da inteligência humana. Quando as primeiras luzes de Itajubá se acendiam para iluminar a noite de 09 de agosto de 1945, mais de 200 mil pessoas morreriam com os efeitos da energia radioativa das bombas atômicas. Apagavam-se as luzes do outro lado do mundo nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Foi a maneira irracional de colocar um fim na grande guerra.

III
Em 1951, com o retorno de Getúlio Vargas a presidência do Brasil, iniciou-se um incipiente processo de regulamentação no mercado de energia elétrica. Houve uma série de leis criando órgãos para autorizar o uso de recursos naturais estratégicos. Na época, a implantação da energia era exclusivamente um negócio privado, com pouca regulamentação estatal; porém, em Itajubá, a viabilização do setor elétrico estava associada de alguma forma aos agentes públicos locais. Durante muitos anos, a poder público municipal de Itajubá capitaneou o custo da energia para a iluminação pública.
Os grandes investimentos privados na Usina se estenderam até meados dos anos 1950. Nesta época a hidrelétrica passou a ser chamada de Usina Luiz Dias, em homenagem ao Diretor que atuou na administração da Companhia no ano de 1942. Com o novo nome, a Usina sofria com falta de investimentos em manutenção.
Na época, os postes de iluminação e distribuição eram de madeira e utilizavam ferro, em vez de cobre, nas linhas de transmissão. Diante de dificuldades, a política nacional de energia fez com que as pequenas centrais hidrelétricas fossem interligadas num sistema e, para isso o governo obrigou que a frequência de operação fosse unificada em 60 Hertz. Em setembro de 1969, a distribuição e transmissão da energia gerada pela Usina Luiz Dias passou de 50 Hertz para 60 Hertz, abandonado o padrão europeu utilizado desde 1913.
No governo Juscelino Kubitschek, na época Governador de Minas Gerais, foi criada a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) como empresa estatal de energia elétrica para atuar na geração e distribuição, além de competir com o setor privado no Estado. A estratégia da CEMIG era adquirir o controle acionário de pequenas empresas de energia, ao mesmo tempo em que recebia empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento.
A ambição do poder avançava e no ano de 1964 houve o trágico Golpe de Estado que impôs o regime da ditadura militar no Brasil. Durante a inquietude dos “anos de chumbo”, a ordem dos militares era para estatizar as empresas de energia elétrica. No ano de 1967, a então registrada Companhia Sul Mineira de Eletricidade foi incorporada pela CEMIG, iniciando assim um novo ciclo de investimentos no setor elétrico em todo o Estado de Minas Gerais. Anos mais tarde, a concessão da Companhia foi cassada e a CEMIG passa a ser a nova concessionária da Usina Luiz Dias.
Com o tempo, as pequenas centrais hidrelétricas foram perdendo espaço, devido aos seus altos custos de manutenção e aos poucos foram sendo “sucateadas” em todo o país. Em 1975, com a justificativa de que o Brasil teria uma escassez de energia elétrica para meados dos anos 90 (já que o potencial hidrelétrico se apresentava quase que totalmente instalado) foi assinado o Acordo de Cooperação Nuclear, pelo qual o Brasil compraria reatores nucleares.
Das esquinas de Itajubá, o Senhor Aureliano Chaves, engenheiro e político influente, chegou ao cargo de Diretor das Centrais Elétricas do Brasil (Eletrobrás); antes, tinha exercido o cargo de Secretário de Obras da Prefeitura de Itajubá e professor da Escola Federal de Engenharia de Itajubá. Como político, contribuiu com o regime militar e, estrategicamente, foi representante do Brasil na Conferência das Nações Unidas Sobre Energia Nuclear, na Suíça; na ocasião da 2º Crise Internacional do Petróleo (1979), foi presidente da Comissão Nacional de Energia.
Diante da repressão, a “energia” dos movimentos estudantis de esquerda se manteve constante em Itajubá. As perseguições foram intensas para silenciar os militantes e, então, veio o ápice da escuridão trágica que trouxe a morte de três moradores de Itajubá, os irmãos Lúcio Petit, Jaime Petit e Maria Lúcia Petit. Outras centenas de pessoas foram torturadas.
No ano de 1988, a nova Constituição da República instaurou a reforma política democrática no país. Acontecia no país o alvorecer de uma era de esperança.
IV
A abertura comercial da década de 1990 e o crescimento da demanda pela energia atraiu investimentos das empresas multinacionais para o setor no mercado brasileiro. Essas empresas competiram pelo monopólio do setor elétrico e foram responsáveis pela entrada de investimento estrangeiro na construção de infraestrutura moderna no país. Em 1993, a Usina Luiz Dias encontrava-se desativada e com equipamentos quebrados. No ano seguinte, com a intervenção do Governador do Estado, o Presidente da CEMIG assinou um convênio entre a Prefeitura e a Escola Federal de Engenharia de Itajubá (EFEI) para recuperar a Usina e criar um campus de treinamento para futuros engenheiros. Neste contexto, os professores da EFEI contaram com recursos de empresas multinacionais para recuperar os equipamentos da Usina. Foram restaurados as comportas de fundo da barragem, o rotor da turbina, os componentes do circuito elétrico e o painel de controle. Tal feito tornou a Usina Luiz Dias a primeira central hidroelétrica operada comercialmente por uma escola de engenharia no país.
No ano de 2002, a EFEI torna-se a oponente Universidade Federal de Itajuba (UNIFEI). A cidade revigorou sua vocação no cenário nacional e, depois de uma grande enchente do Rio Sapucaí, começou uma firme recuperação do desenvolvimento econômico local. As fábricas movidas pela eletricidade adquiriram a capacidade de atender a produção industrial regional. As vitrines das lojas iluminadas se reergueram e as casas se completavam com os aparelhos eletrodomésticos.
Desde a sutil experiência com a pequena usina hidrelétrica, a fundação do tradicional Instituto Eletrotécnico de Itajubá ou pelos milhares de engenheiros formados que se espalharam pelo país, o pioneirismo de Itajubá em desenvolver o setor de energia elétrica no país é notório. Com efeito, a cidade de Itajubá, cada vez, consolida sua vocação e dissemina para todo o país conhecimentos técnicos avançados em energia elétrica e em novas fontes energéticas que prometem fortalecer um desenvolvimento próspero e sustentável ao longo do século XXI.
Enfim, completam-se quase um século da inauguração da pequena usina hidrelétrica de Itajubá e no dia 23 de novembro de 2013 também se registra um século da inauguração do Instituto Eletrotécnico de Itajubá - transformada na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
Atualmente, a Pequena Central Hidroelétrica Luiz Dias compreende um sítio de 389.600 m² e área construída de 2.864 m². Conta com três unidades de geradores recuperados e modernizados. A Usina passou a funcionar como um aglomerado de laboratórios que atende principalmente aos cursos da área de engenharia da UNIFEI. Também com a missão de disseminar informações sobre novas formas experimentais de energia, foi implantado neste aglomerado o Parque de Alternativas Energéticas para o Desenvolvimento Auto-sustentável (PAEDA).
Em "cem anos de luz", a pequena cidade de Itajubá irradiou energia por toda a parte. Seja nos sonhos de idealistas, na força das quedas d'água ou em cada livro de engenharia minuciosamente estudado. Em cada interruptor acionado, foram milhões de fagulhas no tempo dividido entre a aparente escuridão e a energia que move os microcomputadores, todas as máquinas e os aparelhos eletrodomésticos que precisamos. Em cada turbilhão dos geradores, no ímã que gira nos rolamentos e distribui a corrente elétrica, toda essa magia da energia, enfim, completa-se e conecta a distinta cidade de Itajubá ao Brasil e ao mundo.
Nessas conexões que envolvem nosso século embrenhado na história – como escreveu Nikola Tesla (1856-1943), o inventor da eletricidade: "muitas gerações terão se passado e as nossas máquinas serão conduzidas por um poder obtido em qualquer ponto do universo. Por todo o espaço haverá energia”.

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