"Na adolescência do ano veio Cristo, o tigre." Gerontion, T. S. Eliot (1920).
Comparar alguém com um animal nem sempre é racismo. Se o bicho for um leão, um tigre ou um elefante, por exemplo, ninguém poderá ficar ofendido.
Impedir o acesso a locais públicos por conta da raça ou negar um serviço público, também por isso, é racismo.
Chamar de macaco, cachorro ou porco, se não for em contexto desportivo, no caso do porco sobretudo, é racismo.
Negar o acesso a um direito é racismo. Negar a existência do racismo também é.
O racismo, enquanto impulso psicológico, é o que orienta pessoas brancas, munidas de um sentimento de superioridade, a acreditarem-se com mais direitos que os negros.
Este esquema e impulso avança com mais intensidade numa verdadeira ritualística da negação de direitos de negros em detrimento da imposição da vontade de poder e dominação de indivíduos brancos justamente nos espaços de poder.
Silvio Almeida, em contrapartida, em sua emblemática obra intitulada por Racismo estrutural, coloca a questão do poder e do racismo não em termos psicológicos senão como algo, tecnicamente, concernente à política.
O autor, literalmente e em diversas passagens da obra já citada, explica que o racismo é, sobretudo, uma relação de poder que se manifesta em circunstâncias históricas.
Por continuidade, para além da definição daquilo que seja racismo, segundo a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, isto é – "qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem racial ou étnica, que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais".
Pergunta: como dizer algo de original sobre o tema do racismo?
Até aqui há, pelo menos, quatro definições distintas para o que signifique racismo.
Havendo leis e a previsão da prisão para quem comete tal crime na constituição federal brasileira e, igualmente, havendo a constante negação da aplicação deste direito a negros bem como o acesso aos meios da execução desta mesma lei para aqueles que sofrem com o crime de racismo, por que tantas pessoas, negras, aceitam estar submetidas a tal sistema perverso e injusto que lhes criminaliza e, igualmente, lhes nega direitos?
De certo que um problema criado no campo do Direito só poderá ser resolvido, igualmente, no campo do Direito.
Ora, os dados são assustadores. Em um livro lançado no ano de 2015 e cognominado por Mapa do encarceramento: os jovens no Brasil, é possível constatar que:
"Diante dos dados sobre cor/raça verifica-se que, em todo o período analisado, existiram mais negros presos no Brasil do que brancos. Em números absolutos: em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, considerando-se a parcela da população carcerária para a qual havia informação sobre cor disponível, 58,4% era negra. Já em 2012 havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra.
Constata-se assim que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce o número de negros encarcerados. O crescimento do encarceramento é mais impulsionado pela prisão de pessoas negras do que brancas.
Note-se também o crescimento paulatino da categoria outras, utilizada pelos gestores do sistema penitenciário que preenchem os relatórios encaminhados ao InfoPen. A utilização desta categoria cresceu oito vezes no período analisado, o que compromete a qualidade do dado fornecido e pode prejudicar a consistência das análises do quadro apresentado.”
A tal obra, isto é, o Mapa do encarceramento: os jovens no Brasil, se valendo de um interessante gráfico, demonstra que:

É como dizer: se você é negro, mais cedo ou mais tarde será preso só por ser negro. Yago Corrêa, Luiz Justino e Alberto Meyrelles não foram presos, de alguma forma, por serem negros?
Não estou aqui, de nenhum modo, defendendo práticas criminosas. Desejo, antes, além de indagar se não há algo de errado nestas estatísticas questionar o seguinte: em que medida, os criminosos encarcerados no Brasil, não foram configurados, pelo próprio sistema que o criminalizou?
Acredito, por isso, que tal pergunta lança um ponto de originalidade ao problema.
De fato, não acredito que exista uma resposta fácil para problema tão complexo, assim como não sei responder, finalmente, o que passa na cabeça dessas pessoas que decidem encarcerar a tantos brasileiros negros.
Educar não seria mais barato? E o que dizer de quantos negros são impedidos de acessar a formação universitária, por exemplo?
O tema do racismo acadêmico já foi debatido em outro artigo que denominei de “O Direito Humano à educação e a educação para o Direito Humano.”
O texto se encontra publicado aqui na Prensa e recomendo, muitíssimo, a leitura do artigo para todo indivíduo interessado no tema da educação e da injustiça.
Referências:
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural, São Paulo: Editora Jandaíra, 2021.
ALVES, José Augusto Lindgren. Os Direitos Humanos como tema Global, São Paulo: Perspectiva, 1994.
BRASIL. Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil, Brasília: Presidência da República, 2015.
ELIOT, T. S. Poesia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
SANTOS, Gilson. O Direito Humano à educação e a educação para o Direito Humano, São Paulo: Prensa, 2022.
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